CONTAR HISTÓRIAS PARA NOSSAS CRIANÇAS

Contar histórias para nossas crianças é muito importante sob diversos aspectos. Portanto, mãos nos livros e vamos lá certo? Bem. Hoje em dia, alguns pais e responsáveis manifestam certa preocupação com o que é adequado ou não contar para determinadas idades. A complexidade do conteúdo, a mensagem por trás da história, falta de imagens ou texto são algumas das preocupações. Também não sabem se devem utilizar as histórias originais ou se podem modifica-las. O lobo pode comer a vovó? Meu filho não vai ficar com medo da bruxa? Falo ou não de cocô?

Por outro lado, contar histórias é um hábito ancestral, e assume um papel relevante até dentro de nossa herança como mamíferos, afinal, assim como outros animais se utilizam de estratégias de simulação para preparar a prole, contar histórias também é uma maneira que nos utilizamos para preparar nossos filhos para a vida que virá. As histórias também ajudam a lapidar a imaginação e contribuem na solidificação da relação das crianças com seus pais.

Então, se é tão importante, como fazer para contar histórias da forma certa? Isso realmente existe? Pensando nestas questões, separamos algumas dicas. Afinal, o espetáculo deve continuar!! E as histórias também…

ESTÍMULO À LEITURA

Esta relação é até bem óbvia. Contar histórias de livros é o primeiro contato de nossas crianças com a literatura. Compartilhar bons momentos e boas histórias cultivará uma memória afetiva que pode servir como grande estímulo para que, no futuro, a criança percorra trilhas mais aprofundadas na literatura.

Uma dica bem interessante surge desta constatação. Um dia, a criança terá de encarar livros mais didáticos. Pensando nisso, o adulto pode se aventurar a mostrar um livro com curiosidades científicas, históricas ou filosóficas. Não nos referimos à livros adultos: hoje há uma variedade razoável de livros para crianças que navegam pelo campo da pesquisa e da descoberta por perspectivas próximas a seu entendimento.

POESIAS

As poesias podem merecer uma atenção especial na direção de expor os pequenos à algo mais “sofisticado”. Há muitas poesias direcionadas para as crianças. Manoel de Barros, Cecília Meireles, Vinícius de Morais, Ruth Rocha, Pedro Bandeira, Paulo Leminski. A lista de autores que dedicaram versos para a criança é enorme. Além disso, um dos grandes encantamentos iniciais das crianças dentro da aventura do aprendizado da língua portuguesa, pode ser justamente a rima. A rima também pode ser encontrada na música, sendo estímulo, também, para sua compreensão.

CONVITE À IMAGINAÇÃO

Crianças tem a imaginação à flor da pele. Basta um pequeno incentivo para que sua mente viaje pela pradaria das invencionices e das descobertas. Até porque tudo é muito novo, e precisa ser compreendido e inventariado. Contar histórias para nossas crianças tem o sabor da imaginação, da criatividade, do encanto.

A dica dentro desta constatação é a possibilidade de convidar a criança a criar suas próprias histórias. “Hoje é a sua vez! Papai e mamãe vão ouvir a história que você quiser inventar!” Um estímulo para estas possibilidades é dar o exemplo. Portanto, também é interessante em alguns dias, “descansar” os livros e contar “histórias de boca”.

REVISIONISMO DE HISTÓRIAS CLÁSSICAS

Este é um campo onde há alguma polêmica nos dias de hoje. Por um lado, há os que defendem a mudança das histórias pelo bem do “politicamente correto”, o que impediria que as crianças fossem expostas a informações mais violentas e cruas, bem como mensagens dúbias e mesmo nitidamente equivocadas. Por outro lado, há os que defendem os contos em suas versões originais, pois estas trazem mensagens arquetípicas fundamentais para a compreensão da realidade.

Sobre isso, acreditamos que os dois lados tem suas razões, o que faz com que percam esta quando tentam negar a lógica “adversária”. Mudanças não são algo que se deva ser tratado como crime, pois histórias, bem como toda manifestação artística são adjacentes a um momento cultural no tempo e espaço. Sendo assim, devem estar sujeitas à mudanças que percepções da realidade, matéria prima da cultura, diferentes implicam. Ao mesmo tempo, o sentido oculto e arquetípico das histórias, como a nomenclatura sugere, não está “à vista”. Portanto, sua modificação também pode suprimir sentido importantes para o desenvolvimento psíquico e emocional dos pequenos.

Assim sendo, o principal tempero nesta polêmica deve ser o bom senso. O exagero tanto para uma tendência quanto para a outra estará fadado ao erro do fundamentalismo. Atirar o pau no gato, por exemplo, é perceptivelmente, um exagero. Porém, impedir a criança de sentir medo em histórias de monstros pode ser um protecionismo excessivo: o medo não patológico é fator limitante que evita acidentes e perigos e pedra fundamental da construção psíquica sadia.

IMAGENS E TEXTO

Pareceria óbvio que livros que contém apenas imagens seriam mais adequados a crianças mais novas e, à medida que vão se preenchendo de texto, vão também atingindo idades mais avançadas. Isso, na verdade, é muito dúbio. O conteúdo, obviamente, vai se sobrepor sempre às escolhas narrativas. Um livro adulto pode conter apenas imagens e um livro infantil pode ser apenas textual.

A ausência de texto possibilitará a coautoria da imaginação da criança, que a preencherá com suas próprias imagens. Isso é muito legal. Uma história que contenha apenas figuras, entretanto, pode ser oferecida como uma forma do pequeno construir sua própria jornada dentro do que está vendo. Ao mesclar as duas, há um convite para que a criança seja passageira da viagem. O melhor seria oferecer diferentes opções neste sentido: a variedade traz a riqueza experiencial.

HISTÓRIAS QUE ASSUSTAM

Muitos pais têm receio de contar histórias que assustem as crianças. E isso também está na raiz da mudança de alguns trechos de histórias clássicas, que poderiam ou não estar causando “sofrimento desnecessário”.

Mais uma vez, devemos utilizar o bom senso para medir o que pode ou não ser contado. Como já dito, o medo por si só não é negativo. Em verdade é até bem vindo em doses pequenas. Uma criança que não é exposta ao medo pode ter dificuldades de lidar com situações em que necessite deste conhecimento. Tanto pela ausência de cautela durante uma situação perigosa, quanto por um pavor exagerado e paralisante. O medo é o professor do cuidado e dos limites impostos pela natureza e por nós mesmos. Mas é fundamental salientar as “doses pequenas”, pois a intenção nunca deve ser instilar terror nas crianças. “Vai dormir, senão o Bicho-papão vai te comer!” é apelativo e um péssimo substituto de uma conversa carinhosa com boas doses de psicologia e alguma paciência.

EM… FIM

Contar histórias para nossas crianças é um evento fundamental. Portanto, o mais importante é que estejamos realmente disponíveis. Temos dentro de nós o conhecimento para compreender o que é bom ou não para as crianças. Para isso, basta acessar nossa criança interior. Esta, além de ter uma conexão direta com o momento dos pequenos e com a falta de crítica exagerada, portanto com o tempero de um bom senso quase intuitivo, sempre sabe responder estas questões. Contar histórias não deve ser uma obrigação nem um peso. Mas sim um dos raros momentos que, nos dias de hoje, a vida nos permite ter uma relação direta com nossas crianças. Aproveitemos esta oportunidade para contarmos histórias e, juntos, contarmos, ao mundo, a nossa.