O trabalho de Educação Ambiental que se pretende realmente sério nas escolas apresenta muitos desafios. Muitos mesmo. Isso é fato. E alguns destes desafios são extremamente óbvios e perceptíveis. Outros, no entanto, estão mais escondidos, pois são abraçados pela miopia causada por uma espécie de “doutrinação sócio-cultural” (por favor, não confundir com recentes teorias conspiratórias). Estes problemas “escondidos” são mais difíceis de serem enfrentados pelo processo pedagógico, afinal nem são percebidos direito. Estão lá todo o tempo, mas o caráter de normalidade com que os tratamos os torna invisíveis à nossa capacidade crítica. Porém, uma análise mais profunda e criteriosa é capaz de recolher pistas necessárias para que os encontremos e iniciemos o árduo caminho de desconstruí-los. Árduo mesmo, pois os problemas escondidos geralmente são de natureza estrutural. Ou seja, fazem parte da própria construção da sociedade e, consequentemente, da forma que a enxergamos normalmente.
Então, como explicar que o que se acha absolutamente normal e não parece ter nada de errado é justamente o aquilo que se precisa mudar? Longe de nós ter todas as respostas, mas apenas navegando nas águas da investigação podemos compreender para onde o barco nos leva. Então, convidamos você a desenhar árvores conosco para brincar com estes temas. Desenhar árvores? Sim. É desenhando árvores que tentaremos iniciar algumas destas questões.
DESENHANDO ÁRVORES
Já desenhou?
Estava falando sério acima. Era para desenhar mesmo. Bem. Se a resposta é sim. Se já desenhou sua árvore, então tentarei “adivinhar” o resultado. Provavelmente minha profecia obterá êxito com o desenho feito por pessoas que não tenham o costume de desenhar. Se é este o caso, a possibilidade do desenho feito por você ser o mesmo que o encontrado ao lado, é percentualmente bem grande. Afinal, esta é a árvore que, de alguma maneira, é padronizada em desenhos de crianças no início da escolarização, não apenas no Brasil, mas mundo afora. Adultos que não tem muita prática em desenhar, intuitivamente, também reproduzem o modelo.
A macieira em formato de nuvem. Mas, afinal, qual o problema encontrado no desenho? Alguns. Além do que, talvez, já pareça óbvio. Vamos tentar delinear no restante do texto algumas reflexões sobre o assunto.
INSTINTO DE SIMPLIFICAÇÃO OU CÓPIA DE PADRÃO?
A maior defesa para o desenho é sua simplicidade. A forma de nuvem acaba por traduzir as formas irregulares criadas pelas folhas sem detalhar suas complexidades. Portanto, é uma forma simples para as crianças decodificarem a aparência da copa de uma árvore. Bolinhas vermelhas também estão entre os mais simples pictogramas de frutas. Porém, é também muito provável que a criança, antes de se aventurar em seu próprio desenho, já tenha visto o mesmo modelo anteriormente. Isso quando o exemplo não é dado diretamente por adultos. Então, perguntamos: O que veio primeiro? O desenho ou a imitação do desenho? É bem difícil descobrir onde verdadeiramente começa esta padronização. Mais fácil é admitir o dogma pedagógico-artístico-cultural, e tentar desvendá-lo a partir desta percepção.
ORIGEM DA TAL “MACIEIRA”
Descobrir a origem do modelo também é bem difícil. Uma simples pesquisa na internet, por exemplo, não oferecerá resultados satisfatórios diretos para a dúvida. Também não há livros (pelo menos, não encontrados por este que vos escreve) que se aprofundem na questão. Portanto, nos resta conjecturar, da hipótese mais simples até a mais complexa, passando pelo que poderíamos considerar até um pouco absurdo.
RELIGIÃO
Esta é a origem que eu consideraria menos provável, mesmo levando em conta a força da mensagem religiosa como construtora estrutural da sociedade. Mas, não pude deixar de pensar que o fruto proibido, que Eva oferece para Adão, era vermelho e representado como uma maçã por muitos. Portanto, a maçã acabaria por se tornar uma das frutas mais famosas do mundo. Como curiosidade, no entanto, é possível admitir que não era uma maçã a tal fruta do bem e do mal. A maçã que conhecemos teria nascido de uma “domesticação vegetal” bem mais recente que a narrativa bíblica, o que inviabilizaria sua representação no livro sagrado.
A MAÇÃ
Afora o absoluto “marketing bíblico” da maçã, também podemos salientar outros mitos relacionados à fruta. A maçã, quando cortada em duas metades, formaria um pentagrama, que é considerado um dos símbolos do conhecimento. E também devemos lembrar um fato histórico bem interessante: a fruta ficou célebre como instrumento ocasional de demonstração da gravidade, caindo na cabeça de Newton, o que poderia relacioná-lo diretamente com a aprendizagem.
EUROPEIZAÇÃO
E, ao falarmos em influência cultural europeia, talvez estejamos mais próximos da verdadeira raiz da questão. A tradição de presentear com uma maçã os professores tem uma interessante origem. Dizem que na Europa dos séc. XVI e XVII os professores eram muito mal remunerados. Portanto, a maçã, fruta muito comum e apreciada naqueles tempos, era oferecida pelos pais como uma espécie de compensação pelos serviços pedagógicos oferecidos pelos profissionais da educação. De qualquer maneira, não é possível afirmar que o desenho seja originado daí.
PROBLEMAS ESPECÍFICOS E ECOLÓGICOS
Mas, afinal… Qual é o problema de desenhar a árvore deste jeito? Não é “o” problema, mas “os”. Vamos a eles.
O desenho, simplório, poderia servir como pontapé inicial do processo de refinamento da habilidade artística. Como um ponto de partida para o que vem depois. As formas simples, pictóricas sugerem esta direção. Porém, o primeiro grande problema surge quando comparamos a árvore do desenho com os vegetais reais. Estes apresentam formas muito variadas e alguns não se parecem em nada com a famosa representação. Neste caso, portanto, o desenho não cumpre o fundamental papel de ser a ponte entre a criança e a realidade. Pelo contrário, cria uma imagem irreal e engessada do que é uma árvore. Então, podemos dizer que, do ponto de vista ecológico, esta padronização é um desserviço.
A situação se torna mais grave quando levamos em conta o contexto brasileiro. A macieira não é nativa de nosso país. Não há nada de errado em representa-la, porém configurá-la como modelo de árvore no Brasil é bem pouco representativo. Além disso, temos a flora mais diversa do mundo inteiro.
DESENHANDO ÁRVORES NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
A falta de representatividade do desenho já é um motivo bom para não utilizarmos o modelo na prática de Educação Ambiental, mas há outras reflexões que podemos fazer a respeito que também o contraindicariam.
Para dificultar a percepção da vida nas plantas, elas não se mexem. A falta de movimento faz com que, no início, as crianças não as associem a seres realmente vivos. É uma percepção quase intuitiva, apesar de errônea. Mesmo depois que somos ensinados a respeito de que elas estão vivas, é inegável que na escala de valores da sociedade humana, elas acabam por ficar bem abaixo dos animais. Então, se é difícil propagar a ideia de que o valor de um animal não pode ser medido apenas por uma visão utilitarista, ampliar esta noção para os vegetais é quase impossível. Portanto, não apenas essa, mas todas as generalizações utilizadas no processo de aprendizagem, podem atrapalhar o reconhecimento e percepção da importância da biodiversidade.
ENTÃO, COMO DEVEMOS DESENHAR?
Repetimos que não há nada de errado em desenhar macieiras. Mas é claro que é bem equivocado desenhar apenas macieiras.
Ao fazermos trabalhos de Educação Ambiental com crianças nosso maior objetivo deveria ser provocar o encantamento e a fascinação com a Natureza. Este é o estado ideal para que, com o conteúdo trabalhado, as crianças desenvolvam uma consciência sobre a importância de cuidar e preservar o ambiente e os seres. É necessário criar uma empatia pela diversidade e grandiosidade de tudo que existe a nossa volta.
Crianças expostas à realidade, para as quais as plantas são apresentadas de forma afetuosa, respeitosa e realista, tenderão a expressar as diferenças que observarem. Portanto, de início, basta mostrar os seres vegetais para os pequenos para incentivá-los a perceber sua beleza e traduzir estas descobertas em desenhos e outros. Uma boa atividade é o desenho de observação, onde a criança tenta representar o que vê, da sua maneira.
SIMPLESMENTE DESENHANDO ÁRVORES
Árvores são muito boas para se desenhar. Cada uma de suas partes são um espetáculo visual. As folhas de diversos tamanhos, formas e colorações. As linhas das folhas. Os troncos. As formas dos galhos. Os frutos de muitas cores, tamanhos e formas diferentes. As raízes. As flores de beleza ímpar.
Ou seja, além da intrínseca importância ecológica da observação e apreciação das plantas, elas também são ótimas para o próprio desenvolvimento das habilidades artísticas.
Afinal, o educador é uma ponte entre o educando e o mundo. Mas deve compreender seu papel com responsabilidade e senso crítico. Na Educação, com a dose certa de fantasia e encantamento, nada supera a beleza e a certeza da realidade.