PANDEMIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL – DE VOLTA AO LADO DE FORA
Tempos difíceis. A humanidade, como um todo, enfrenta, ainda, um grande desafio dos novos tempos. Uma pandemia, uma epidemia mundial. Um adversário invisível, que se propagou de forma veloz, desobedecendo uma lógica imposta por nós mesmos para subdividir a sociedade humana. No início, pareceu igualar classicismos e outras distinções, mas com o inevitável apelo ao fundamental retorno da máquina econômica, começou a respingar de forma mais grave, como de costume, nas camadas mais vulneráveis e desassistidas.
No Brasil, desvendou falhas estruturais, comportamentais e, principalmente, administrativas. As convulsões das manobras políticas aliadas a um negacionismo perigoso conquistaram resultados desastrosos, como a queda de dois Ministros da Saúde e a ausência desta referência e liderança durante todo o período de crise. O país, então, alçou-se aos recordistas em contaminação e morte. E dificuldade e ingerência não foram, no entanto, exclusividades brasileiras. Várias nações do mundo pareceram demonstrar um fato óbvio e triste: que, como comunidade global, não obtemos êxito em deixar de lado os interesses comerciais e políticos específicos, mesmo diante de um problema compartilhado por todos.
E o que a Educação Ambiental, no título do artigo, tem a ver com isso tudo? A resposta é… …Tudo! Desde a possível origem, passando pela disseminação, suas consequências, a forma que lidamos com o problema e o que apreendemos e poderíamos apreender de tudo que vivenciamos e ainda vivenciareremos. O Projeto Teçaya convida você a viajar em nossas linhas e reflexões a respeito das relações diretas e indiretas da Educação Ambiental e a Pandemia.
ORIGEM DA COVID 19
O vírus, da família do Coronavirus, cujos representantes já criaram alguns surtos mundo afora, foi identificado pela primeira vez em Wuhan, na província de Hubei, China. O caso veio à conhecimento público em 31 de dezembro de 2019 (pois é, Feliz Ano Novo). O COVID 19 é, portanto, provavelmente, uma mutação mais recente dos Corona vírus que utilizam os morcegos como hospedeiros. Acredita-se que, para chegar aos humanos, o vírus teria passado por um hospedeiro intermediário como o pangolim, mamífero nativo da região onde se iniciou o surto.
A provável origem nas terras orientais, infelizmente, desencadeou uma série de acusações sobre negligência, paternidade (ou seria maternidade?), e, até, objetivos maquiavélicos de suposta disseminação programada. Logo depois, foi levantada uma outra hipótese, pouco provável, pelos chineses, estabelecendo a origem do vírus em terras norte-americanas. O fato é que a origem do vírus começou a tornar-se mais uma peça numa disputa política, em conflito de discursos semelhante ao vivido durante o período histórico da famigerada guerra-fria, o que acirra ainda mais uma tendência dualista do cenário sócio-político de nossos tempos. Entretanto, é sensato afirmar que esta disputa e todas as acusações são importantes quase que apenas para a retórica política de quem pretende acusar o outro, e muito pouco, ou nada, para entendermos reais culpas e responsabilidades. Isso nos afasta da compreensão de todos os mecanismos que possibilitaram de fato o surgimento da pandemia. O ônus de sofrimento causado pela doença que todos partilhamos é gestado, antes, em uma maneira coletiva de enxergar e se relacionar com todo o planeta.
ESFERAS
Para compreender melhor os fenômenos físicos, químicos, biológicos e ecológicos da Terra, foram feitas várias classificações baseadas em seus componentes, aproximando características e localizando padrões. Isso facilita, para os especialistas, o estudo de um conjunto específico (mesmo que se trate de áreas e questões muito amplas) de elementos e fenômenos. No entanto, é sempre importante considerar que toda classificação é uma construção acadêmica, ou seja, não existe de fato. Como instrumento de compreensão de seus objetos de estudo é extremamente válida, mas deve-se sempre ter em mente que não existem mundos à parte, mas que fazem parte. Ou seja, todos possuem interações, interconexões e interdependências todo o tempo.
Então, compreendendo as classificações de estudo mencionadas: a Biosfera (esfera da vida) compreende todas as regiões da Terra onde existe vida. A Hidrosfera compreende todas as regiões onde existe água no planeta, seja em estado líquido, sólido ou gasoso. Da mesma forma, temos Geosfera, Atmosfera, Heliosfera, Magnetosfera, etc., etc.
Para compreender a correlação da pandemia conosco podemos utilizar dois destes conceitos “esféricos”: a ecosfera e a antroposfera. Mas, tendo em mente sempre de que há ramificações, interações e efeitos que se sobrepõem à nossa classificação.
ANTROPOSFERA
Também chamada de Tecnosfera, pode ser entendida como a “camada tecnológica” que abrange, se espalha e afeta todas as outras esferas. É, portanto, todo lugar e tudo, no planeta, que é modificado e afetado pelo ser humano. Esta é, então, uma esfera que está, concomitantemente à evolução tecnológica, em expansão constante e acelerada. Importante compreender que a Antroposfera, como a definição denota, não compreende apenas os locais onde estariam instaladas ou são utilizados os aparelhos e construtos feitos pela espécie humana. Existe um campo estrutural, que são exatamente as áreas físicas, os locais exatos, onde se encontram os aparatos tecnológicos, e um outro campo, dinâmico, onde reverberam todos os efeitos gestados como consequência da implantação destes aparatos.
Por exemplo, uma represa é construída num rio. A dimensão de sua construção para a Antroposfera compreende toda a estrutura física e a região onde esta foi construída. Mas, também toda e qualquer modificação causada pela represa no rio e no ambiente ao redor, e, mesmo em ambientes mais distantes que sejam afetados pela transformação. Outro exemplo: os celulares que utilizamos fazem parte de uma rede enorme que se utiliza de antenas, satélites, ondas eletromagnéticas e radiações para poderem existir. Portanto, é uma conquista tecnológica cujas ramificações somadas ao âmbito da Antroposfera, atingem até altas camadas da atmosfera.
CADA VEZ MAIS LONGE, CADA VEZ MAIS BENEFÍCIOS
Mas, afinal, o que isso tem a ver com o COVID 19? Afinal, não é uma construção tecnológica (apesar das teorias conspiratórias de sua criação em laboratório). Estamos chegando lá. O fato é que a pandemia atual não é um fato isolado, apesar da escala parecer inédita (em verdade, também não o é). Mas vamos compreender como nossos atos se correlacionam, diretamente com sua origem e disseminação. A primeira pista é que o nos últimos anos tem aumentado exponencialmente a incidência de surtos e epidemias. Na última década, esta já é a quinta situação que atinge o status de pandemia, decretado pela OMS (Organização Mundial de Saúde). E a que, certamente, está exigindo cuidados inéditos em âmbito mundial, devido a seu altíssimo grau de transmissibilidade. O fato é que isso está correlacionado diretamente ao nosso sistema civilizatório.
De todos os padrões de desenvolvimento da civilização humana, aqueles que mais propiciaram o aparecimento de epidemias causadas por estes agentes patológicos, foram a expansão territorial e a intensa exploração dos recursos naturais. O avanço por novas fronteiras terrestres, locais inabitados e, antes não ocupados por populações humanas, muitas vezes, em busca de novas riquezas e recursos, acabou também por desvendar vírus, que estavam escondidos nestes ambientes, habitando seus hospedeiros naturais. Quando entramos em contato com estes, não estávamos preparados para eles. E, nem eles para nós. Se trouxéssemos, para facilitar a compreensão, a questão para o âmbito das relações humanas: é muito difícil se relacionar com alguém que fala outra língua, tem cultura diferente e enxerga a realidade de outra maneira. É preciso tempo para que as pessoas se compreendam e passem a ter relações que respeitem seus respectivos espaços e maneiras de agir e pensar. Este é um tempo de conhecimento que roubamos ao invadir ou descaracterizar ambientes em que não éramos “conhecidos” e entrar em contato com outros seres que também não conhecíamos.
ACORDO ECOLÓGICO
Sim. Porque a intenção de um parasita nunca é o de matar seu hospedeiro. A morte do corpo que habita também o poria em risco. Quanto mais tempo o hospedeiro viver, quanto mais saúde tiver, mais tempo o agente patológico terá também para se desenvolver e se perpetuar. Nenhuma forma de vida age ecologicamente contra sua perpetuação. Os processos evolutivos e de seleção natural dão conta das adaptações necessárias para que isso não ocorra. É mais ou menos como se as formas de vida buscassem uma espécie de “acordo ecológico”. E é por conta destas “regras” que perfazem o acordo, que temos atualmente um número absurdo de seres microscópicos habitando nossos corpos. Alguns deles, num passado bem distante, também criaram problemas para nossos antepassados. Hoje são inofensivos, sendo alguns benéficos e, até, essenciais.
MUTAÇÕES
Bactérias e protozoários são unicelulares e, por conta disso, costumam ter uma velocidade de mutação muito maior do que outras formas de vida. Vírus são uma categoria à parte. Nem como organismos vivos são considerados, pois são moléculas de DNA ou RNA (componentes celulares), que apenas se comportam ativamente quando dentro de células. Isso faz com que sejam os seres mais mutáveis conhecidos da Natureza.
Mutações são causadas, entre outros fatores, por evolução geracional, mudanças estruturais e pressão ambiental. A variabilidade destes seres conhecidos como vírus faz com que mudanças ambientais se traduzam rapidamente também em novas formas, o que transforma também rapidamente seus efeitos nos respectivos hospedeiros. Portanto, mudanças climáticas, de relevo ou ambientais bruscas, costumam favorecer o aparecimento de novas formas de vírus. Ou seja, voltamos à pressão ambiental promovida dentro de toda a “antroposfera”
ECOSFERA
Tudo que consideramos até agora nos traz à fonte desta e de outras questões: a maneira como enxergamos e nos relacionamos, enquanto modelo civilizatório, com o mundo que nos rodeia. A pandemia, assim como inúmeros desastres ecológicos que ocorreram nos últimos tempos, advém da equação desequilibrada entre o que tomamos do ambiente que nos rodeia e o pouco cuidado que oferecemos em troca.
Nossa fome exploratória é grande e já propiciou que nossas ações rompessem a barreira da Ecosfera, enviando aparatos para além da barreira atmosférica que limita as relações ecológicas de nosso planeta. Porém, nossa sociedade global, fragmentada em interesses de grupos pequenos, continua demonstrando que não alcançamos maturidade para conciliar a expansão de nossa civilização com nossa condição de ser apenas constitutivo da ecosfera. A necessária consciência de que somos parte do meio natural é sublimada pela necessidade de obtermos o máximo que o mundo pode nos ofertar.
FIM DA CRISE?
O embate atual entre os que defendem uma volta rápida às atividades e aqueles que sustentam a importância de se realizar o maior esforço possível para salvar vidas se alinha com o conflito histórico entre a percepção natural e a concepção civilizatória. Levantar tal questão cria uma discussão que simplesmente não existe de um ponto de vista ecológico. Todas as formas de vida, incluindo vírus (sendo vivos ou não) têm como uma das primeiras cláusulas de seu “estatuto existencial” sua própria sobrevivência e perpetuação. Ao gestarmos este paradigma, também criamos uma polarização entre a vida das pessoas e a saúde de um ente invisível e abstrato conhecido como “Mercado” ou “Economia”. Em nome desta entidade, precisamos desenvolver uma balança que só é possível diante de distorções de nosso instinto natural e redefinição artificial de nosso papel e encaixe no mundo.
O VERDADEIRO PROBLEMA
E finalmente chegamos ao cerne da problemática. Claro que poderíamos levantar também as condições sócio-econômico-políticas que geram o discurso capaz de fazer com que cheguemos ao ponto de desconsiderar nossa própria lógica instintiva e natural. E até salientar que, para que isso ocorra, valores e percepções tem de ser alterados em níveis muito profundos. Mas este não é o objeto principal deste artigo.
O que é importante frisar é que esta “distorção comportamental” que nos faz questionar ética e moral da sociedade humana, foi justamente o mesmo mecanismo que nos ajudou a trazer a pandemia. Se não tivesse ocorrido na China, certamente aconteceria em outro lugar onde o ser humano estivesse forçando as bordas do planeta além do que deveria. Ou seja, esta crise sanitária poderia ter sido gestada praticamente em qualquer parte do mundo. E ela não está só. É parte de um combo de crises ambientais que já ocorrem em todos os cantos, mas que só saltam aos nossos olh0s quando tomam proporções maiores.
EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO SOLUÇÃO E PREVENÇÃO
Então, ou mudamos nossa relação ecológica com o mundo, ou outras crises virão. Não apenas pandemias, mas o famoso aquecimento global, contaminação por toda sorte de substâncias, crise de abastecimento de água, furacões, etc., etc. Isso, infelizmente, é fato. Uma relação insustentável com o ambiente natural gera consequências graves e tem limitações de recursos, de espaço e de tempo. Pior, amaça a própria existência da espécie que assume este comportamento.
Educação Ambiental não é para falar apenas de “plantinhas” e “bichinhos”, ou mesmo de “reciclar e reaproveitar”. É para dizer para nós que, ao confrontarmos uma crise sanitária deste tamanho, e, ao invés de nos unirmos de forma instintiva para lidarmos com um adversário que diz respeito a todos, continuarmos imersos em argumentos e percepções que nos separam e ameaçam, é porque a maior de todas as doenças não é causada pelo SARS-CoV-2.
A maior doença que enfrentamos enquanto humanidade está dentro de nosso projeto civilizatório e de cada um de nós. Precisamos nos curar de nossa forma míope de enxergar o ambiente ao nosso redor. Em outros projetos de sociedade existem medicações específicas para isso, outras não apresentam a doença e outras ainda estão sendo contaminadas por esta visão. Em nossa imensa aldeia global, o remédio principal que indica caminhos, comportamentos, questiona visões e, pode sim, transformar e preservar um outro projeto humano, se convencionou chamar exatamente desta maneira… …EDUCAÇÃO AMBIENTAL.
QUANDO, FINALMENTE SAIRMOS PARA OCUPAR MAIS UMA VEZ OS ESPAÇOS DE FORA, DEVEMOS LEVAR TODO O CONHECIMENTO ACUMULADO DE DENTRO. PRECISAMOS MERECER TUDO QUE VIVENCIARMOS ATRAVÉS DO RESPEITO E DO CUIDADO COM O QUE TANTA FALTA NOS FEZ.