MANGUEZAIS E RESTINGAS

Recentemente, os dois ecossistemas litorâneos, manguezais e restingas, ficaram em evidência. Infelizmente, o destaque não foi positivo. Foi por conta da revogação de legislação do CONAMA que protegia estas áreas, consideradas hoje como de preservação permanente. O discurso oficial é de que a medida retifica uma redundância, já que o Código Florestal Brasileiro também prevê a proteção destes ambientes. No entanto, houve uma reação contrária forte. Grupos políticos, organizações não-governamentais e até a sociedade civil estranharam e reclamaram. Neste artigo, vamos nos debruçar um pouco sobre restingas e manguezais. E tentar entender porque é tão importante sua preservação.

OLHANDO PARA MANGUEZAIS E RESTINGAS  

Em tempos remotos, o olhar da maioria das pessoas para os manguezais e para as restingas era bem raso. As restingas eram apenas faixas de areia misturada com mato. O manguezal era um enorme lamaçal. Nestes tempos passados, no Rio de Janeiro, por exemplo, foram realizados inúmeros aterros. Para que os lugares, considerados praticamente inúteis, se prestassem a alguma utilidade.

Dois principais fatores impulsionavam esta relação mais predatória e nada sustentável. O modelo civilizatório, regido por um sistema sócio político-econômico baseado no acúmulo de bens e riquezas e na exploração extensiva dos ambientes e recursos naturais. E a falta de conhecimentos científicos e ecológicos que insinuassem a importância de uma relação diferente com estes ambientes.

OLHANDO NOVAMENTE PARA MANGUEZAIS E RESTINGAS

Os anos se passaram e o conhecimento e percepção a respeito destes lugares ganhou, felizmente, novos contornos. Não eram, afinal, apenas lama, areia e mato. Eram fundamentais áreas de transição entre o mar e a terra. Ambientes que são importantes para a saúde ambiental tanto de um quanto do outro ecossistema. E, além disso, como deveria ser óbvio, são ecossistemas em si próprios. Espécies vegetais e animais vivem apenas ali e não sobreviveriam em outros locais.

O manguezal, além disso, é um berçário natural para muitas espécies de peixes, moluscos e crustáceos. Estes tem suas proles nestes ecossistemas, evitando predadores marinhos. Também é fonte de alimentação para muitos animais, que percorrem, e necessitam de seus caminhos tortuosos. A restinga, além de também servir de berçário para aves e outras espécies, é uma importante barreira natural que protege o continente do avanço do mar. Os dois ecossistemas são “reguladores”, “filtros”: a salinidade, que é suportada por estes ambientes seria “tóxica” para o ambiente terrestre. As “importâncias” tanto de um quanto de outro ecossistema são numerosas, e poderiam servir de base para vários artigos como este.

DA CONSCIÊNCIA PARA A ESCRITA E AÇÃO

Então, a percepção social e humana teve de avançar no sentido de compreender que a exploração, para ser sustentável e mesmo viável, deve estar atrelada ao cuidado e preservação do ambiente, e isso se configurou também em pressão na mudança de hábitos e comportamentos. Por conta disso, também, as legislações ambientais, em todo o planeta, começaram a se modificar e abraçar a proteção e o cuidado necessários para com estes ambientes. No Brasil, dentro deste processo, gestou-se uma regulamentação ambiental tão completa, que tornou-se até exemplo para outros países. E nesta, os ecossistemas litorâneos foram considerados áreas de proteção permanentes.

CONAMA

O CONAMA, Conselho Nacional do meio Ambiente, foi criado em 1981, espelhado em experiências de outros países. A ideia era formar um grupo representativo das diferentes faces de nossa sociedade que ajudasse, como principal consultor do próprio Ministério do meio Ambiente, a decidir o rumo das leis e a equilibrar a difícil balança entre a exploração e a preservação. O órgão tornava-se importante, então, por servir de contraponto plural a uma Instituição exclusivamente política.

Infelizmente, em 2019, o CONAMA teve sua representação civil proporcionalmente diminuída com a redução do número de integrantes. Com isso, o caráter plural que, inclusive, legitimou sua criação, perdeu força. O governo, que já é representado pelo próprio Ministério do Meio Ambiente, ocupou espaço majoritário no órgão, tornando-o praticamente eco de suas diretrizes políticas.

A DECISÃO

Recentemente, em reunião do CONAMA, um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 415/20 sustou a Resolução 500/20. Na Prática, isso retira a proteção permanente à manguezais e restingas da regulamentação do CONAMA. A justificativa governamental é de que o Código Florestal já trata os dois ecossistemas como áreas de preservação permanente. Porém, apesar de ainda haver uma prerrogativa nacional a respeito, a retirada da resolução do CONAMA não parece ser gestada na preocupação com retificações. Mais, talvez, com a possibilidade de “flexibilização”. Esta, inclusive, consta também no discurso oficial: nas declarações que tal medida favoreceria a governos estaduais o estudo de seus casos específicos.

É claro que há, de fato, uma diversidade de realidades e contextos regionais. Porém, sabemos que há também, e muito mais, uma diversidade de maneiras de se pensar a relação com o meio ambiente. A reclamação de que medidas protetivas são exageradas costuma partir de quem pretende explorar economicamente o ambiente. Ou de quem se alinha e beneficia, mesmo que indiretamente, com estes interesses. Com uma diretriz nacional enfraquecida, abre-se uma porta perigosa para governos e grupos estaduais menos comprometidos com o ambiente do que com seus ganhos.

OS PRINCIPAIS INTERESSADOS

Talvez o leitor deste artigo possa se fazer algumas perguntas. Quem pode se beneficiar com isso? Quem poderia ter interesse em flexibilizar leis que demoraram tanto para serem construídas? A resposta, em verdade, é bem simples. O mesmo setor milionário que durante toda a história brasileira olhou para estes ambientes como se fossem espaços vazios: o setor imobiliário. A luta de grupos que queriam proteger manguezais e restingas contra residências, hotéis e condomínios de luxo já é antiga no país. E sempre tem novos capítulos. Áreas litorâneas são consideradas, do ponto de vista geográfico e paisagístico. Espaços nobres para moradias e turismo. Por isso, a especulação imobiliária está sempre exercendo pressão física, legal e política na intenção de derrubar, ou mesmo burlar, medidas protetivas. Pelo Brasil afora, há diversas regiões onde, inclusive, a invasão já se consolidou. Locais onde empresários e construtoras adotam técnicas semelhantes as de grilagem.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE

Não é possível dissociar este acontecimento da famigerada fala do Ministro Ricardo Salles na famosa reunião ministerial divulgada. Quando mencionou que, devido à pouca atenção da imprensa para outros assuntos que não à COVID, era o momento de “passar a boiada”. O que significava, ainda em suas palavras na mesma reunião, flexibilizar leis ambientais. Este fato, nítido para os minimamente críticos, apenas corrobora o que já é notório: Salles está a serviço, principalmente, do projeto de exploração dos recursos e ecossistemas.

A justificativa oficial costuma ser que não há saúde ambiental sem mínima estrutura social. É verdade. Mas, o contrário é ainda mais acertado, pois a degradação do ambiente afetará todas as classes sociais. Além disso, para que o discurso se torne legítimo, é bem importante se espelhar em atitudes. Então, contraria a afirmação o fato de que o Ministro não é particularmente conhecido por se reunir com pescadores artesanais ou lançar políticas de agricultura orgânica para pequenos produtores. Infelizmente, parece mais estar alinhado a grupos que teimam em não perceber que, até para ganharem dinheiro explorando o que os ambientes oferecem, é necessário que a terra esteja ambientalmente saudável. Na medida que põe em risco a integridade dos ecossistemas, não apenas ameaçam a existência de seres vivos, a qualidade de vida social, a sobrevivência de pessoas. Mas também, numa projeção futura, seus próprios ganhos.

A LÓGICA DA NATUREZA

Neste momento de nossa história, em que uma visão imediatista totalmente insustentável e predatória ameaça de forma tão grave o equilíbrio ecológico e social, se faz fundamental que aqueles que têm consciência e informações se unam para transmitir seus conhecimentos. Para disseminar as percepções que preservam e cuidam. Dentro da lógica da Natureza, tudo já estava em seu lugar, e estreitamente interligado, conectado. E, como dizia um certo amigo guarani: “Até para movermos a pedra do leito de um rio, precisamos pedir licença. Devolvendo o respeito que o mundo nos direciona.” Esta premissa de cuidado deveria ser aplicada a todas as nossas relações. Quando aplicada à nosso modelo político-legal, se configura exatamente no estudo qualificado e imparcial dos impactos ambientais de quaisquer empreendimentos e na essencial proteção de ambientes estudados e compreendidos como fundamentais para a saúde dos ambientes. Por consequência, fundamentais para todos nós.

CONFIE MAIS EM QUEM TÊM O HÁBITO DE INCLUIR CUIDADO, PROTEÇÃO E AMOR EM SEUS DISCURSOS E, PRINCIPALMENTE, AÇÕES.