DATAS COMEMORATIVAS NAS ESCOLAS – DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
O ponto principal desta história é que o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, é “celebrado” em várias partes do país (ainda não possui o status de feriado nacional) como uma data de valorização da cultura negra, de exaltação de suas manifestações religiosas e festivas, e, principalmente, ao olhar para um passado ainda bem recente, de muita reflexão.
O discurso contrário, que resiste a ponto de fazer com que apenas seis estados brasileiros (Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro) tenham a integralidade de seus municípios aceitando a data como feriado, utiliza como argumento principal o comércio e a indústria. Porém, à luz da existência de muitos outras datas comemorativas pelo menos de importância similar, não é possível dissociar o racismo desta resistência.
Quer saber um pouquinho a respeito desta história? E, principalmente, como a “Escola” pode contribuir para a discussão ou até mesmo, num futuro possível, acabar com a parte mais daninha desta? Venha conosco divagar a respeito.
O DIA VINTE DE NOVEMBRO
Por que este dia como representativo desta simbologia? A resposta é simples e complexa ao mesmo tempo. Este foi o dia da morte de um dos maiores ícones de resistência à escravidão: Zumbi dos Palmares.
A controvérsia ainda cerca seu nome e sua história. De déspota à escravista (de outras etnias africanas), passando por herói mítico e grande lutador. O que se sabe com certeza é que herdou o trono do Quilombo dos Palmares após seu tio, Ganga Zumba, ter morrido envenenado. Isso teria ocorrido, inclusive, após Ganga ter aceitado a proposta de Pedro de Almeida, governador da capitania de Pernambuco de alforriar todos os moradores de Palmares, ao que Zumbi, idealista, não teria aceitado: ele não admitiria que alguns escravos fossem libertos enquanto outros não.
Sabe-se, principalmente, que Palmares era uma pedra no sapato da então colônia de Portugal. A grandeza do povoado, a dificuldade que as forças portuguesas tiveram para derrota-lo (resistiu durante 94 anos), os mitos ao redor de seu personagem maior, transformaram Palmares e o próprio Zumbi em símbolos maiores na luta contra a escravidão.
CRIAÇÃO DO FERIADO
É importante dar o crédito ao pouco citado Grupo Palmares, associação do Rio Grande do Sul dedicada ao estudo das culturas negras, que, por ideia de Oliveira Silveira (poeta, professor e pesquisador), já em 1971 propôs a celebração da data de 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi.
Em 2003, sob o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o 20 de novembro passou a ser o Dia Nacional da Consciência Negra nos calendários escolares. Passou a se chamar Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra em 2011 (governo de Dilma Roussef). Em 2002, a data já tornara-se feriado estadual no Rio de Janeiro e em Mato Grosso e passou a incorporar o calendário de outros estados e municípios. Destaque para Alagoas, berço de Zumbi, que já havia instituído feriado antes de todos (em 1995). Este ano, 2023, o Instituto Palmares voltou a pleitear a promulgação da data como Feriado Nacional, baseando-se, inclusive, em projeto de lei de 2017 aprovado pelo senado em 2021, mas carece ainda de aprovação na câmara.
E NA ESCOLA?
Como já citado, o Dia Nacional da Consciência Negra foi incorporado ao calendário escolar no ano de 2003. Junto à esta medida, foi incluído ainda, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o ensino obrigatório da “História e Cultura Afro-Brasileiras” como parte do currículo oficial de toda a rede de ensino pública e privada, abarcando a história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade brasileira.
Desde então, as escolas tentaram se adaptar, cada qual à sua maneira. Apesar de muitas instituições engatinharem até na aceitação da relevância da obrigatoriedade, é notório que muito se avançou neste aspecto. Mas, é claro, há um caminho longo ainda por se trilhar.
E O QUE FALTA?
Assim como com relação aos povos originários, há muitas generalizações, desconhecimentos e estereótipos para se superar na busca por uma educação que enalteça de fato a cultura negra. Nossa Educação, assim como a sociedade de forma geral, apresenta preconceitos estruturais (como bem apontou Silvio de Almeida no livro “Racismo Estrutural”), replicando ideias que, por vezes, não dimensionam a realidade das manifestações civilizacionais, sociais e culturais negras. Vejamos algumas destas.
ÁFRICA
Chamar todos os povos negros de “africanos” está quase no mesmo patamar de nomear todas as etnias dos povos originários de “índios”. O quase, neste caso, é importante. Porque ao chamar de africano, pelo menos estamos associando as características a um lugar de onde estas vieram, que não onde estão agora, mesmo que seja um continente inteiro. O problema é exatamente a África, este local de origem, ser um continente inteiro.
É, portanto, uma grande generalização. A África é um continente de muitas paisagens, muitos povos, muitas culturas, distintas formas de enxergar a realidade. Tratar tudo isso como a mesma coisa não dimensiona sua diversidade.
Portanto, a Escola que quiser contribuir para quebrar esta generalização deve pesquisar um número de povos africanos suficiente para que as crianças compreendam a diversidade destes.
CULTURA
Se haviam povos canibais na África, também havia apedrejamento de mulheres, empalamentos e outras barbaridades na história ocidental. Deve-se ter muito cuidado para não transmitir curiosidades que negativizam as tradições e costumes dos povos. Não é que não se deva falar sobre isso, mas é fundamental que haja contrapontos.
Muitas culturas africanas são próximas da Natureza de maneira que nossa sociedade mal sonha. A ligação com a Terra e com a terra. Sua Educação completamente desemparedada. A tradição Griot. As músicas. As danças. Há muito para se exaltar e encantar nas culturas africanas. A cultura negra precisa da positividade e afirmação de seu valor e identidade.
NO BRASIL
Samba, afoxé, maracatu, congada, lundu, capoeira, maxixe, choro, bossa-nova. Tambor, atabaque, cuíca, marimba, berimbau. Abadá, caçamba, fubá, corcunda, mochila, miçanga, samba, tagarela, moleque. Cachaça, azeite de dendê, vatapá, feijoada, cocada, pamonha, acaçá, quibebe, mungunzá, acarajé.
Há um cardápio vastíssimo para a Escola que quiser introduzir pedagogicamente as manifestações e contribuições africanas para a cultura brasileira.
REPRESENTATIVIDADE
Como sua Escola está representada dentro desta lógica estrutural da sociedade? As pessoas de pele escura estão em posições de servidão? Há algum funcionário em cargo de coordenação de pele mais escura?
Ensinamos, além de através de nossas práticas e atividades, por nosso exemplos, ações e estruturas que apresentamos. Vejam. Não estamos sugerindo uma forçada contratação de pessoas de pele negra e demissão de outras. Mas, que tal, a exemplo do que já é feito na Universidade Pública, instaurar um sistema de cotas a partir da contratação de seus próximos profissionais? Acredite que será muito importante para os pequenos conviverem com a diversidade étnica dentro de seus trajetórias pedagógicas.
E, já que estamos falando sobre isso, temos de falar sobre…
RACISMO
Se há um local onde o preconceito deve ser combatido de todas as maneiras, este é a Escola. Crianças não nascem com ideias pré-concebidas. Elas falam a linguagem universal das brincadeiras. A Terra da Infância é plural e democrática. Certo. O bullying, as brincadeirinhas maldosas, os olhares diferentes são muito impulsionados pela exposição ao “mundo adulto”.
Crianças que são ensinadas desde cedo a conviverem e respeitarem todos os tipos de diferenças terão uma maior probabilidade de se tornarem adultos respeitosos e tolerantes, bem como os tijolos de uma fundamental sociedade futura, mais inclusiva, diversa e pacífica.