CIÊNCIA E SUBJETIVIDADE NA ESCOLA DA NATUREZA

por Jean Marx

 

“Ao subir até o topo da montanha e inundar-me de beleza que arrasta meus sentidos, abro sem pressa os braços para receber o abraço amistoso, os carinhos plácidos do vento. Ele me acolhe, me entende de forma que nada mais. Caridoso, generoso, seu sopro me permite adejar com os pés enraizados na rocha. Segura meu pensamento pelas mãos (do aforismo, é claro) e passeia consigo até a linha ondeada do vale, depois me ascende até as nuvens, enovelando meus sentidos e fazendo-me chorar para sentir os pingos da chuva repentina de meu próprio anseio.”

 

Na “Escola da Natureza”, sem dúvidas, há experiências que não necessitam de explicações racionais. Para algumas destas, a racionalização, inclusive, pode ter até uma interferência negativa. Pois, ao compreender que o vento é “apenas” o ar em movimento, a poesia instilada pela vivência de um momento como o narrado no texto acima poderia ganhar sentido muito diferente. Mais pragmático, analítico e, principalmente, carente de sentimentos e sensações subjetivas. Contudo, do ponto de vista científico, e até epistemológico, o vento é o ar em movimento. Será que toda a euforia de um instante de contemplação e experimentação com o mundo natural é, simplesmente, fruto de uma ilusão sensitiva, que, ao ser submetida ao escaneamento da razão, perde a lógica, que, de fato, nunca teve?

 

A VOZ DA CIÊNCIA

A importância da ciência para a Educação é intrínseca em si mesma. A palavra Educação tem o sentido etimológico de “guiar para fora”. Portanto, é fundamental que haja uma percepção científica, ou seja, um olhar de quem tem ciência do que diz, de quem sabe, para realizar uma boa “condução”. É fato notório que a compreensão do mundo e seus mecanismos é, e foi, fundamental para que nós, como sociedade humana, chegássemos até o estágio atual. Mas, nem sempre este processo esteve em ação. Se olhamos para o passado, podemos verificar que a ciência, nos padrões que conhecemos, tão amurada durante a Idade Medieval, após o advento do Iluminismo, principalmente, parece ter saltado dos cantos obscuros das sociedades humanas para guiar os novos rumos do processo civilizatório. Vestiu-se, desde então, de um necessário ceticismo com tudo que era considerado como realidade anteriormente. Afinal, todo o conhecimento de épocas anteriores era baseado em dogmas inquestionáveis. Simples questionamentos da ordem e das ideias que a corroboravam eram vistas como perigosa heresia.

A ciência, então, seguiu na estrada oposta ao que estava posto antes. Para algo pensado ser considerado fato era necessário que houvessem muitas comprovações. Era necessária certeza. A busca da exatidão, da precisão, do real era importante para evitar justamente o domínio anterior do intangível, do obscuro e do ilusório. Perceberemos uma aplicação óbvia desta linha de pensamento, por exemplo, na área tecnológica. Afinal, não seria possível construir máquinas que voam, que transmitem imagens e sons, que constroem outras máquinas, se não tivéssemos buscado os cálculos certos para tal. E, há de se convir, a humanidade, municiada do conhecimento científico, atingiu um estágio tecnológico que impressionaria quaisquer pessoas de séculos idos.

 

PSEUDOCIÊNCIA – O LIMBO DO CONHECIMENTO

Porém, será que a ciência teria se tornado tão cética que teve de fechar os olhos à coisas e fenômenos comprovadamente existentes? Fechar os olhos é uma metáfora literal. Pois, é este exatamente o procedimento quando diante de um fato que não pode ser realmente comprovado: ele praticamente não existe. Quem percorre estes caminhos fica numa espécie de limbo do conhecimento, considerado como pseudociência.

A pseudociência pode ser, por vezes, perigosa. Como quando se espalhou a “comprovação” de que vacinas poderiam fazer muito mal às pessoas, causando, inclusive, autismo. Fatos mal conferidos estiveram até a serviço do nazismo, atribuindo “legitimidade” para suas teses de superioridade racial. Hoje, vestem roupas de ceticismo quanto ao aquecimento global e terraplanismo. Porém, estas “ciências oficiosas” apresentam, não raramente, resultados dúbios, que deixam as pessoas com pulgas atrás das orelhas. Caso, por exemplo, da homeopatia, que, apesar de parecer curar pessoas, é atacada como “efeito placebo”. A acupuntura, a psicanálise, a astrologia, os campos mórficos, a “mística quântica”, por vezes parecem ter laços com a realidade. Todos estes “campos do saber”, entretanto, foram defenestrados pelo meio científico, por não terem a base lógica e fundamentada necessária para serem inatacáveis em sua veracidade ou eficácia.

 

PENSAMENTO SISTÊMICO

Mas, e se o ceticismo, necessário sim, estiver deixando de lado fatos importantes para nossa sociedade e vidas? E se a necessidade de “fechar os olhos” ao que não se enquadra no padrão científico estiver marginalizando um conhecimento que poderia ser fundamental para a compreensão mais ampla da realidade ao nosso redor?

É exatamente isso que defende o pensamento sistêmico. Uma linha filosófica que acredita que a ciência por si só não é suficiente para compreender e traçar um retrato verdadeiro do universo e seus processos. Este pensamento já se legitima pela própria lógica da ciência. Pois, se estamos sempre em busca de compreender o que ainda não compreendemos, é fato que há uma grande parcela de coisas que ainda não foram alcançadas por esta procura. Nesta lacuna podem entrar a subjetividade da arte, as compreensões arquetípicas de religiões antigas e os saberes intuitivos e vivenciais de povos nativos.

O Pensamento sistêmico defende com legitimidade que não podemos ignorar o que nossos “corações” e sentidos percebem, de maneiras que ainda não sabemos explicar, como elementos que contribuam na forja de nossas relações e estrutura civilizacional. A falta de uma explicação não pode permitir que deixemos de lado esta contribuição para nossas vidas, sob risco de torna-las incompletas.

 

ESCOLA DA NATUREZA

É através de uma recente conciliação entre a percepção mais subjetiva da Natureza e a Ciência que encontramos a lógica que permitiria levantar a importância da Escola da Natureza. Há vários experimentos atuais que tem chamado a atenção para o que estar perto de um rio, dentro de uma floresta, no topo de uma montanha, próximo a outros animais, pode fazer com nossos sentidos e até com nossa saúde mental, física e espiritual.

O que o conhecimento de povos antigos já apontava e que é cada vez mais corroborado pela Ciência é que temos uma ligação primeva com a Natureza, que, em verdade, é nosso berço, nossa origem e do que realmente fazemos parte. Ainda. O fato é que nossa civilização tem, por estimativas mais atuais, cerca de 8000 anos de idade. E este tempo não é nada se comparado aos 2 milhões e meio de anos em que surgiu o Homo habilis, primeiro ser considerado como “humano”, e mesmo se comparado aos 350.000 anos do Homo sapiens, nós mesmos. Ou seja, mesmo que, por razões antropocêntricas, descartássemos todo o tempo anterior de evolução, nossa herança natural, nossa ligação com a “Natureza” é muito maior e mais duradoura do que o processo de divórcio que parecemos enfrentar atualmente.

Evoluímos compreendendo que os sons do vento, do rio e de outros animais é que faziam sentido. Que as sensações propiciadas pelo mergulho na cachoeira, pela chuva escorrendo no corpo, pelos pés pisando na lama eram as coisas corretas a se sentir. Os sapatos, as roupas, os prédios, todo o cimento vieram depois. Porém, quando visitamos locais onde a Natureza é “livre”, parecemos capazes de compartilhar esta liberdade. A poesia não está, na verdade, nas palavras, mas na saudade, no reconhecimento, no retorno.

A Escola da Natureza é fundamental para nos reencontrarmos com o que somos de fato. Há coisas que o vento precisa soprar em nossos ouvidos que mais ninguém irá nos dizer. E não há chuveiro no mundo que reproduza com fidelidade a força de um banho de cachoeira. Somente pensar nisso, dá até a capacidade de completar os versos que iniciaram este texto…

 

“Pois chovo torrencialmente com o choro do céu, lindo, convenientemente vestido com cores de despedida do sol. Banho de luz em meus olhos e minhalma. Volto para a pedra e me despeço da ventania. Depois, desço a trilha na escuridão cúmplice da floresta e dos segredos que me conta sem me deixar saber. Saio da mata, vou para casa, tomo banho e durmo. Não sozinho, nunca solitário. O vento persiste em meus cabelos, na memória de minha pele e nas esperanças de todo o meu sonhar.”