OS ERRES

Claro que você já ouviu falar dos três erres. Eles foram amplamente divulgados durante o crescimento do movimento ambientalista e, mais especificamente, com a divulgação massiva da importância de lidarmos de forma consciente com nossos resíduos. Afinal, nosso modelo de sociedade contemporânea gera muito e muito lixo. Que polui, dissemina doenças, ameaça outros seres vivos, envenena o solo, o ar e água. Graves problemas que, obviamente, precisam ser 

enfrentados. Portanto, os erres cumprem a relevante função de chamar a atenção e tentar apontar soluções para a questão. Com o passar do tempo, os erres cresceram em número e hoje encontramos versões que englobam até dez deles.

Neste artigo, vamos fazer algumas reflexões a respeito da importância dos famosos erres da sustentabilidade. Aproveitamos para levantar também alguns problemas que eles trazem embutidos. Venha conosco refletir sobre… …os ERRES.

OS TRÊS ERRES PIONEIROS

Os três primeiros erres surgiram logo após a segunda guerra e não tinham todo o caráter altruísta ao qual se relacionam. Foi mais uma medida contra a escassez de produtos após os conflitos. Uma forma de racionalizar o que havia sobrado. Não tinha, no entanto, o apelo moderno. Isso aconteceria muitos anos depois, graças ao crescimento do movimento ambientalista, que encontrou neste conceito uma boa tática de divulgação para boas práticas. Na forma e percepção contemporâneas, os erres se renovaram a partir da ECO-92, evento realizado no Rio de Janeiro, que se tornou um marco por chamar de forma mais contundente a sociedade civil para a responsabilidade de cuidar do meio ambiente.

Os três erres surgem, então, para dar fundamental ênfase para os problemas do lixo e de sua gestão. São estes:

REDUZIR

Trazendo a percepção óbvia de que era necessário reduzir a produção de lixo. Então, este princípio dizia respeito à escolha dos consumidores, para que dessem prioridade para produtos de maior durabilidade e para que consumissem o absolutamente necessário.

REUTILIZAR

É exatamente o que sugere o nome: utilizar de novo. Neste caso, pode-se até mudar a utilização original do objeto em questão, o importante é não tornar lixo o que ainda pode ter alguma utilidade. Potes, por exemplo, podem servir para guardar outras coisas além de seu conteúdo original. Garrafas pet podem ser usadas como recheio de móveis, construção de brinquedos e até na estrutura de casas.

RECICLAR

O mais famoso dos três erres originais. Talvez o mais importante, mas, ao mesmo tempo, certamente, o menos acessível ao cidadão comum. Reciclar diz respeito a fazer o material em questão retornar a seu ciclo. Ou seja, pedaços de vidro tornarem-se novamente garrafas, papel virar papel reciclado, e assim por diante.

IMPORTÂNCIA E PROBLEMAS

Os erres surgiram como um símbolo do problema relacionado ao lixo. E sua importância no sentido de divulgar a questão é diretamente proporcional à sua notoriedade desde então. Ainda hoje, os três erres são um forte jargão nas escolas. São utilizadas desde a educação infantil até o ensino médio. Um dos problemas mencionados vêm da utilização, por vezes, não tão precisa ou adequada dos conceitos.

Portanto, nas próximas linhas vamos descrever algumas das situações que devemos evitar para não incorrer nos erros que causam justamente o entrave das intenções originais.

RECICLAR DE NOVO

Reciclar é algo muito bom e importante, não é? Sim. Óbvio. Mas, da maneira que o conceito é, por vezes, utilizado na Educação Infantil gera outros desdobramentos. Afinal… Criança recicla?? Pois é. Na verdade, este é uma prática bem distante de seu mundo. Então, dizer para a criança que a luta a favor do meio ambiente passa pela reciclagem pode também ser um afastamento da realidade com que podem lidar. Gerando respostas prontas que não criam atitudes e intenções efetivas. Já perguntamos, durante o processo de trabalho de Teçaya, para crianças, “O que é meio ambiente?”, e ouvimos, “É reciclar!”

Claro que não estamos falando sobre não falar nada para as crianças, mas de priorizar o bom senso acima de práticas pedagógicas engessadas. Mais importante que reciclar para os pequenos são reduzir e reaproveitar, que fazem parte de seu universo atitudinal.

CONFUSÃO DE CONCEITOS

Uma simples navegação pela internet poderá diagnosticar a confusão criada entre as palavras e seus conceitos. Por exemplo, encontramos a definição de “os erres da reciclagem”. Mas, se reciclagem, além de ser um dos erres, é um processo onde a substância volta ao seu ciclo inicial, como poderia estar correta esta definição? Acaba por virar um jogo de palavras. Por exemplo, posso defender que, de fato, estamos falando a respeito da reciclagem de nossos hábitos. E, por isso, chamamos de “os erres da reciclagem”. Colou? Não? Mas o que devemos perceber mesmo com estas informações é que os nomes e conceitos causam confusão até nos adultos. Portanto, como passar isso de forma adequada para as crianças?

PRÁTICAS MECANIZADAS

A verdade é que foi incutida no meio acadêmico e pedagógico a importância de incluir o cuidado com o “meio-ambiente”, mas, até hoje, não houve uma preparação adequada dos profissionais de como fazer isso. Os erres se juntaram a outras práticas que se tornaram mecanizadas, pois não foram adequadamente compreendidas. Estas práticas perceptivelmente trazem conceitos fundamentais (que fundamentam) que deveriam ser aprofundados, compreendidos e… simplificados para que fossem melhor trabalhados. Pois uma grande dica é que a essência importa mais que a forma.

Então, a conclusão óbvia é que de nada adianta trabalhar algo do qual não se entende exatamente o objetivo final. Temos de falar dos erres dentro da compreensão de: o que são, para que servem e, principalmente, “o que as crianças tem realmente a ver com isso”. E precisamos que isso esteja claro para nós antes de tentarmos transmitir algo adiante.

E SURGEM OUTROS ERRES

Como desdobramento do trabalho que foi feito e até de algumas reflexões que contemplam as ideias debatidas neste texto, surgiram outros erres. Reciclar, reutilizar e reduzir ganharam companheiros na busca pela sustentabilidade. Primeiro tornaram-se cinco. Chegaram:

REPENSAR

Não deve haver dúvidas sobre a importância disso. No âmbito temático dos erres, ele diz respeito ao ato de repensar o consumo: se você realmente precisa daquilo, se não há como reaproveitar algo que já tenha, etc. Contudo, de um ponto de vista mais amplo, objetivo e subjetivo, o que devemos fazer é repensar nossos processos sociais, sistemas e civilizatórios para que possam incluir o cuidado com o meio e com os outros. Aí está contida a essência da Educação Ambiental propriamente dita.

RECUSAR

Recusar diz respeito também ao ato do consumo. Devemos recusar produtos com excesso de embalagens plásticas, que causem impactos maiores que os necessários, que sejam supérfluos.

E SURGEM AINDA MAIS ERRES

Há versões com quatro erres (sem o recusar), com sete, com oito, chegando até os dez erres. Todas iniciativas válidas, desdobramentos da intenção original, tentando traduzir as atitudes e pensamentos que se relacionam com os hábitos do consumo e produção de lixo e diminuir o impacto destas no ambiente à nossa volta. Fazendo uma pesquisa pela internet, encontramos, agrupados em grupos distintos, quinze erres diferentes.

Todos estes erres representam atitudes importantes e podem servir como gatilho para reflexão e mudança real de comportamento. Porém, também contribuem para uma massificação que engessa a essência na forma. Os erres que se juntaram a repensar, recusar, reduzir, reutilizar e reciclar são:

REAPROVEITAR – A distinção de “reutilizar” é mais taxonômica do que prática. As duas palavras podem significar a mesma coisa.

RECUPERAR/REPARAR – Consertar ao invés de descartar algo.

REFLETIR – Seria o mesmo que repensar? Talvez a diferença fique por conta de que podemos refletir através de uma ideia original e repensar é “pensar de novo”. Mas, parece que jogamos um pouco com as palavras novamente.

RESPONSABILIZAR-SE – Ter consciência de seu papel dentro da cadeia de consumo e ser um “consumidor consciente”.

REPASSAR – Passar adiante as ideias e conceitos que são importantes para tornar nossa sociedade sustentável.

REINTEGRAR – Diz respeito ao lixo orgânico. Para que não seja tratado como lixo, mas como matéria orgânica ou alimento mesmo para o que é vivo.

REEDUCAR – Educar novamente quem já percebe as coisas de forma equivocada.

REAGIR – “às dificuldades com boas atitudes” (parafraseado do site Sustenta Ações)

RESPEITAR – Subproduto do amor. Quem ama, cuida. Um dos conceitos que conseguem trazer em seu arcabouço todos os outros. Portanto, foco primordial de qualquer trabalho de conscientização.

O ERRE E O “RE”

O grande mérito dos “erres” está justamente na letra. Ou melhor, no sufixo de origem latina “re”. Pode-se considerar que, mesmo buscando outros significados para o radical, do ponto de vista semântico o resultado é parecido. “Re” é “de volta”, “de novo” ou “mais uma vez”. Ou seja, um novo modelo de ação ou pensamento para o algo que já existia anteriormente. Ou seja, o conceito mostra que havia um modelo anterior que estava equivocado e aponta que o caminho é retornar e fazer novamente, sem cometer erros.

É neste ponto que os erres se unem ao sentido mais profundo da Educação Ambiental nos tempos modernos, e transcende o âmbito mais específico para o qual foi criado. A busca maior da Educação Ambiental é por novos paradigmas atitudinais, ideológicos, filosóficos que estabeleçam uma relação mais respeitosa e cuidadosa do ser humano com o meio e os outros seres. É extremamente preciso rever, repensar, refazer, reorganizar, reestruturar, reconstruir… Praticamente renascer como humanidade e seres que somos.

MAS, ENTÃO… …O QUE FAZER COM TUDO ISSO?

Agora é o momento em que você se questiona. Tá! É importante fazer estas reflexões. Mas, o que eu, professor, faço com tudo isso? Como, então, agrego os erres dentro do meu planejamento? Confira nossas dicas:

ESSÊNCIA – Os erres são um signo para a mensagem que querem transmitir. O mais importante é a mensagem. Por isso, qualquer trabalho deve ter sempre isso em mente. Não se preocupe com a roupa, mas com quem ela está vestindo.

EMPATIA E BELEZA – Um trabalho de Educação Ambiental deve sempre buscar o lado bonito do ambiente em que vivemos. As crianças tem de se apaixonar pelo mundo. Elas vão querer cuidar dele se perceberem o quanto ele é belo e é bom fazer parte dele.

SEM EXAGERO – Os erres dizem respeito a gestão do lixo, que por si só é um problema. Devemos tomar cuidado, principalmente com as crianças menores, para não transmitir peso demais nas informações. Podemos sim falar dos problemas, mas também dar bastante ênfase para as soluções. “Se o lixo é ruim, olhe o que pode se tornar!” (no caso do reaproveitamento).

PRÁTICA – Mostrar reciclagem de papel pode ser interessante, mas o que está mais ao alcance das crianças? Que tipo de ações pode fazer parte de seu cotidiano? Sempre buscar a contextualização.

SIMPLIFICAR – Uma das práticas que surgiram com a percepção da importância da reciclagem foi a divisão dos tipos de lixo. Porém, botar lixeiras com várias cores dentro da escola não costuma surtir um efeito tão positivo assim. A cultura tem de ser construída. Uma simplificação entre separar o lixo orgânico do reciclável é mais eficaz. E também contribui de forma prática e efetiva para os objetivos do tema.

ENTENDER – Evite os discursos totalmente prontos. O melhor na educação é que as palavras que são ouvidas pelos educandos sejam suas. Mesmo citações, que são importantes, devem ser entendidas para serem REpassadas. Compreenda a essência do trabalho e descarte tudo aquilo que está completamente fora do alcance das crianças e do seu também.

RETORNO, FAZER DE NOVO – É disso que falam os erres. O lixo é um dos sintomas que nos faz perceber que estamos, enquanto sociedade, fazendo as coisas erradas. Como fazer certo, então? E como podemos, de fato, passar esta mensagem para as crianças? Primeiro, fazendo novamente. Repensando. Depois incluindo, fazendo junto. E, por último, mas não menos importante… …Sabendo e acreditando no que faz.

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